Artigo: Sistema Estrutural de exploração, aniquilação e desigualdade

Por Emanuel Marques da Silva - Aluno do 6º período do Curso de Tecnologia em alimentos do IFSertão Campus Salgueiro

Compreender os motivos que levam o refugiado congolês Moïse Kabagambe enxergar refúgio e segurança em um País racista em sua estrutura, que viria a mata-lo pouco mais de dez anos após sua chegada, especificamente com 39 pauladas de taco de beisebol, por cobrar duas diárias trabalhadas e não recebidas, equivalentes a 200 valiosos (para ele) reais, é de fundamental importância para compreendermos o abismo imensurável que as guerras civis e exploração deixaram e deixarão por incontáveis anos, para a África e seu povo.

Historicamente, o continente africano é fonte “inesgotável” de exploração de recursos (sejam eles humanos, sejam eles naturais). Um continente e um povo que viveu (e de certa forma ainda vive) a mercê dos interesses dos colonizadores-invasores-opressores europeus, que fragmentaram da maneira mais brutal possível um vasto e rico continente (rico nas mais variadas formas), durante o período neocolonialista.

Fragmentação essa que, por sua vez, desconsiderou completamente as especificidades de cada povo africano, como por exemplo, suas rivalidades, sua realidade, identidade e agrupando todos em uma espécie de tribo culturalmente diversa que atendia apenas aos interesses econômicos europeus. Além disso, o fragmento realizado tem relação direta com o quão frágil estão os estados do continente, possuindo conflitos das mais diversas origens, níveis e tensões.

Como fica um continente que teve 90% do seu território dominado por europeus durante a Primeira Guerra Mundial e que deu início a independência de suas colônias somente após a Segunda Guerra Mundial? É um tanto quanto ousado tentar mensurar como ele fica, mas, sem dúvidas, uma expressão aqui considerada coerente seria a reprodução dos ciclos conflituosos sem fim em que foram submetidos, pautados pelo caos e atingindo níveis locais, regionais e nacionais.

Essa é a dura realidade em que diversos países do continente africano (inclusive a atual República Democrática do Congo, de onde Moïse Kabagambe saiu) vivem há alguns anos, perpetuando-se, em alguns deles, até os dias atuais. Além do congo, Sudão, Sudão do Sul, Nigéria, Ruanda, Mali, Burundi e Angola sofreram incisivamente as consequências de suas guerras civis e, alguns dos supracitados, como é o caso do Congo, sofrem até hoje.

Tratando-se do Congo, o documentário “O Fantasma do Rei Leopold”, retrata e denuncia de maneira extremamente clara, a história de uma das explorações mais desumanas e asquerosas da humanidade, realizada no reino do Congo “belga”, tornando-se literalmente um feudo particular do rei Leopoldo 2º da Bélgica, entre 1885 e 1909.

Leopold cometeu atrocidades estratosféricas, criando um exército mercenário com o objetivo de capturarem escravos para trabalhar primeiro na produção do marfim, depois em minas e também na coleta do látex para produção da borracha. Nessa empresa, esse exército queimou vilas inteiras e aplicou punições públicas com alto grau de crueldade, como esquartejamento, corte de membros e assassinatos em massa.

Em contraponto ao crápula supracitado, o herói demonstrado no documentário é um agente portuário, Edmund Morel, que um dia estranhou o movimento de navios que chegavam carregados do Congo com marfim, bronze e outras riquezas, mas que retornavam cheio de tropas pesadamente armadas e munidas. Ali, percebeu que se tratava de uma "troca desigual". Ele então abandona seu emprego para se tornar um tipo de jornalista investigativo, lançando uma verdadeira cruzada para denunciar o holocausto que ocorria no Congo.

Outro fato altamente revoltante retratado no documentário é a maneira suja como Leopold se expõe perante a sociedade europeia e a opinião pública como um gigante benfeitor e filantropo, chamando o genocídio do povo congolês de “Missão Civilizadora”. Por falar em revolta, um outro ponto curioso é que, por suas crueldades, Leopold poderia muito bem ser facilmente comparado a terríveis e monstruosos nomes da história, como Hitler e Stálin, porém, nem se quer sabíamos de sua existência antes de estarmos cursando a presente cadeira de Inclusão e Diversidade da nossa graduação, o que é uma demonstração escancarada de como ainda desconhecemos a história do povo africano.

Os governos pós Leopold, quando o Congo finalmente conseguiu sua independência, passando a ser chamado de República Democrática do Congo, infelizmente não foram muito diferentes da linha de liderança dele, o que explica, dentre outra série de fatores, é claro, o Congo ter inúmeros conflitos internos (guerra civil) até os dias atuais e parte dos seus habitantes migrarem para outras nações, como é o caso do congolês Moïse Kabagambe e de tantos outros congoleses e africanos que são refugiados no País.

Já em se tratando de Brasil, mais especificamente do racismo estruturado enfaticamente nas relações de trabalho, somos um País fruto da exploração dos nossos povos originários e de povos originários da África, logo, o racismo está enraizado na nossa cultura e o ato de explorar pessoas negras (o que se intensifica quando se é negro e refugiado) está tanto quanto, ou ainda mais.

É extremamente conveniente ao nosso sistema explorar pessoas negras de forma a mantê-las em posições menos favorecidas dentro dos eixos sociais, porém, quando se é negro vindo de uma nação em que as condições de vida eram vezes mais precárias que a da nossa população, a conveniência aumenta exponencialmente e a maneira de tratar desumanamente, também. Podemos refletir também que, se o jovem congolês morto a pauladas fosse branco, de olho azul e de família classe alta (ou talvez nem precisasse tanto), a comoção nacional seria, sem sombra de dúvidas, incontáveis vezes maior!

Por fim, torna-se evidente que o sistema econômico capitalista ao qual estamos inseridos e que domina as relações e direções mundiais, possui, de maneira ainda mais evidente, sua parcela (se é que pode ser chamada de parcela e não de um todo) de culpa, sendo a força motriz que alavanca e ascende as relações de desigualdade, a ambição e as atrocidades imensas cometidas ao longo da história da humanidade.

Author
Thiago Lima

Thiago de Lima Silva, natural de Salgueiro-PE, tem 31 anos. Iniciou no Rádio aos 17 anos de idade.

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