Livro da CEPE analisa discursos de ódio na internet

Em Nós versus eles, editado pela Cepe, a doutora em Linguística Mércia Regina Santana Flannery pensa nas consequências da linguagem de preconceito disseminadas nas redes sociais

 Nos debates e conversas virtuais da atualidade, o diálogo diminui à medida que os discursos de ódio e preconceito aumentam exponencialmente. A julgar por comentários na imprensa e redes sociais, o brasileiro passou do estereótipo de cordial para o de intolerante e autoritário. A narrativa que impera em fóruns de discussões online é de racismo, xenofobia, polarizações políticas, intolerância religiosa, homofobia e machismo. Uma análise crítica e profunda dessas narrativas está presente no livro editado pela Cepe, Nós versus eles - discurso discriminatório, preconceito e linguagem agressiva na comunicação digital no Brasil, escrito pela professora e doutora em Linguística, com especialização em Sociolinguística e Análise da Narrativa Oral pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Mércia Regina Santana Flannery. A obra será lançada dia 8 de junho, às 19h, em live no canal da Cepe Editora no YouTube, com participação da autora, dos linguistas Antonio José e Kleber Silva, e mediação da repórter especial da Revista Continente (Cepe), Débora Nascimento.

“As análises linguísticas de textos e comentários da internet feitas por Mércia Flannery são um caminho para tentarmos compreender o cenário da intolerância no Brasil atual. O livro ressalta como, mais do que nunca, é essencial desarmar, inclusive no campo da linguagem, os preconceitos, discursos de ódio e violências que invadem o campo dos debates, das conversas e da vida cotidiana, seja no ambiente virtual ou não", declara o editor da Cepe, Diogo Guedes. 

Com 304 páginas divididas em 13 capítulos, o livro traz enxertos de comentários de internautas (sob anonimato) para esmiuçar seus discursos e, dessa forma, mostrar ao leitor como a linguagem agressiva age no ambiente virtual para, quem sabe, fazer com que seja neutralizada. Uma das maiores características apontadas é a tendência à polarização. Segundo Mércia, essa tendência existe tanto no discurso político, quanto público e midiático. “Qualquer tema, pode-se afirmar, tem o potencial de causar pequenas batalhas ideológicas, que fazem as pessoas se esquecerem de que, possivelmente, têm mais em comum do que imaginam. Este traçar de trincheiras e estes posicionamentos polarizados, muito rígidos e antagônicos são apropriadamente capturados na expressão ‘nós versus eles’, explica Mércia.

 

A pesquisadora conta que passou um ano escrevendo o livro. Após defender sua tese de doutorado sobre narrativas de discriminação racial no Brasil, Mércia que resolveu revisitar o tema nos últimos anos, focando no contexto da comunicação digital. “Quando comecei a investigar, me deparei com muitos outros tipos de discriminação e de linguagem agressiva, o que me motivou a ampliar o foco da minha pesquisa para incluir outros casos e episódios da manifestação do preconceito”, esclarece a autora. 

Em sua análise sociolinguística ela constata que “a sociedade brasileira não é, infelizmente - e ao contrário do que ainda se pode pensar -, um modelo de harmonia e inclusividade. Muito pelo contrário. Eu sei que muitas pessoas que visitam o Brasil e que conhecem brasileiros têm a ideia de se tratar de uma sociedade muito tolerante, sobretudo se comparada a outras, nas quais o preconceito e a discriminação talvez sejam imediatamente mais sentidos”, ressalta a pesquisadora, exibindo os inúmeros preconceitos da nossa sociedade e ainda o fato de muitas pessoas não terem o menor pudor em divulgá-los. “Um breve pousar de olhos sobre as páginas de jornais brasileiros revela a permanência e persistência do preconceito, manifestado de variadas formas. Isso precisa ser entendido e discutido, sobretudo numa época em que a comunicação digital tem proporcionado impressões de liberdades falsas, no que se refere à falta de respeito com as liberdades alheias”, analisa a escritora, que é recifense. 

E como mudar esse panorama sombrio? “Eu sou professora e acredito muitíssimo no poder da educação. A mensagem mais importante para qualquer geração é que precisamos aprender bem sobre o nosso passado, primeiro, para compreender o nosso presente e descobrir o que queremos mudar, e as formas de fazê-lo. Crescendo no Brasil, eu não me lembro de ter ouvido tantas discussões sobre as relações raciais, ou os direitos de diferentes minorias, o que hoje já é muito mais presente. Quanto mais consciência tivermos do que podemos fazer, e de fato fazemos, por meio da linguagem, melhor”, ensina. 

Para a linguista, também está faltando algo essencial: o diálogo. Não só no Brasil, mas também em outras partes do mundo.  “Parece que as pessoas esqueceram que não precisamos ter as mesmas opiniões, e que dialogar sobre as diferenças é algo muito saudável. Dialogar, porém, envolve a noção de troca, o que não ocorre se, a priori, as partes já sabem - ou acreditam- que estão certas”, pontua a pesquisadora.

Educação e diálogo poderiam sanar a falta de conhecimento ou mesmo o descrédito nas leis e nas obrigações do estado para com seus cidadãos, como mostram os enxertos presentes na obra. “Eu arrisco afirmar - lembrando que sou sociolinguista, e não socióloga - que a explicação para isso está relacionada à nossa herança colonial, aos abusos de poder e à exploração de minorias. Mas os avanços vistos hoje na sociedade brasileira são também frutos de progressos na educação, na formação de uma geração que não vai se contentar com maus-tratos e injustiças. A história recente do Brasil, por mais que às vezes seja desapontadora e inquietante, também justifica algum otimismo, sobretudo na necessidade de mais inclusão”, avalia Mércia.

Se por um lado a internet é veículo de propagação de discursos de ódio e violência, por outro ela representa um espaço importante de muitas outras modalidades de comunicação. “Isso tudo é relativamente novo e um tanto experimental. Como no caso de muitas outras invenções, com o tempo vamos descobrir o que precisa ser ajustado e melhorado. Arrisco afirmar que as manifestações de intolerância que se têm visto nas várias modalidades comunicativas viabilizadas pela internet são reflexos de uma época de transformações, descontentamentos e de acirramento das diferenças”, enxerga a pesquisadora. Tudo isso, no entanto, segundo ela, nos “leva a mais reflexões sobre quem queremos ser como cidadãos e como seres sociais. A própria solidariedade que se mostra nos mesmos espaços onde a linguagem violenta aparece e as ações dentro e fora desses espaços virtuais são razão para algum otimismo”, conclui a linguista. 

Fonte: CEPE

Author
Thiago Lima

Thiago de Lima Silva, natural de Salgueiro-PE, tem 31 anos. Iniciou no Rádio aos 17 anos de idade.

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